sábado, 22 de outubro de 2011

Ana Moser



Bahia Notícias - Você desenvolve um projeto social no Instituto Esporte & Educação, o qual você é a presidente. Quando surgiu a ideia de desenvolver um projeto desse tipo? Sempre teve pretensões em realizar trabalho com crianças?
 
Ana Moser - Começou quando eu era jogadora. A gente tinha na época um grupo que se juntou e começou a debater uma maneira de ajudar o desenvolvimento do esporte. Começamos a organizar uma metodologia de ensino do esporte para crianças a partir de sete anos, para trabalhar com todas as crianças, independente de predisposição motora, porque existem crianças com mais jeito e as que têm menos jeito ficam isoladas. Então a ideia era quebrar esse paradigma e criar estratégias para desenvolver um esporte para todos. Quando eu parei de jogar, eu me envolvi com outras carreiras, mas sempre tive esse projeto embaixo do braço. Um ano após eu parar de jogar, apareceu uma empresa interessada em fazer uma ação social com o esporte em São Paulo, então a oportunidade apareceu e a gente desenvolveu o instituto. Era um projeto, mas a gente resolveu legalizar, estruturar e pegamos aquela ideia de desenvolver o esporte e levamos para uma comunidade de baixa renda. Com isso, extrapolou a quadra, foi para além do esporte. Atualmente são 12 mil alunos regularmente praticando esporte, em quase 50 núcleos, em vários estados. Aqui na Bahia está há um ano no recôncavo baiano, com o apoio da Petrobras, onde estamos trabalhando com sete municípios.
 
BN - Que tipos de atividades serão desenvolvidas na Caravana Esportiva da Seleção Pública 2011 do Programa Petrobras Esporte & Cidadania?
Ana Moser - Essa caravana é outra ponta do projeto. Porque o programa Petrobas Esporte & Cidadania tem várias frentes, e uma delas é a do esporte educacional, que são os polos, os centros de referência que têm uma seleção pública para o Brasil inteiro. São R$ 30 milhões que a Petrobras vai investir em cursos, projetos de associações, de prefeituras, de quem se inscrever. A caravana está passando por todas as capitais e tem a intenção de preparar as instituições para a seleção. As inscrições começaram 1º de agosto e irão até março de 2012. Então as caravanas têm a intenção de, além de divulgar, informar como participar.
 
BN - De que maneira você acredita que o esporte pode ser um transformador social?
Ana Moser - O esporte é um ambiente onde as crianças e os jovens estão por inteiro, de corpo e alma. Na sala de aula, por exemplo, eles entram somente com a cabeça, o corpo fica fora. Então no ambiente do esporte eles se conhecem melhor, conhecem suas limitações e passam a lidar com isso. Isso é sutil. São mudanças no dia-a-dia, são movimentos a mais que eles entendem, uma situação no jogo que eles resolvem, então os jovens vai aprendendo e desenvolvendo diariamente. O esporte educacional trabalha o lado coletivo, procurando debater os problemas, entender as regras, tanto de convivência quanto dos jogos. É diferente do esporte competitivo, onde o objetivo é apenas ganhar. Você precisa de resultado, então você faz tudo para ganhar. Na época em que eu jogava, eu queria vencer sempre. Você acaba esquecendo a educação da pessoa e só pensa no rendimento como atleta. Esse projeto de esporte para todos busca o lado também do desenvolvimento, a melhora da convivência, do diálogo dos alunos. É um ambiente que desenvolve de uma maneira lúdica, porque é tudo jogo. O jogo é a brincadeira da criança e o esporte é o jogo do adulto. 
 
BN - Você sempre quis ser uma jogadora de vôlei? Como o esporte entrou na sua vida?
Ana Moser - Eu comecei a jogar com sete anos. Sou de Blumenau, interior de Santa Catarina, de uma cidade super tradicional em vôlei e meus tios e minha mãe praticavam o esporte. Era muito forte essa questão do esporte na família e também na cidade. Por isso, com sete anos eu comecei a jogar no clube da cidade. Eu fiz vôlei e atletismo até os 14 anos e cheguei a ser vice campeã brasileira de atletismo. Fui até essa idade treinando todo dia, o dia inteiro, até que eu optei pelo vôlei. Joguei na seleção catarinense, no Campeonato Brasileiro infanto juvenil, fui convocada para seleção nessa época, até que com 17 anos fui chamada para jogar em um time profissional em São Paulo. Me mudei e foi ai que minha carreira começou profissionalmente.
 
BN - Você foi uma das principais jogadoras de vôlei do Brasil, conquistando o inédito bronze olímpico nos Jogos de Atlanta, em 1996. Este foi um dos momentos mais marcantes de sua carreira? Qual foi o mais?
Ana Moser - Foi. A Olimpíada foi uma conquista. Tive outras medalhas de ouro, de prata no Mundial em 1994. Mas a Olimpíada foi a mais difícil, a mais especial, a que mais marcou mesmo. 
 
BN - E a maior decepção?
Ana Moser - Já tive várias decepções. Faz parte, né? É como a vida. Mas eu lembro em 88, nas Olimpíadas, a gente ficou em sétimo lugar e eu voltei de lá querendo parar de jogar. Porque me decepcionei com esquema de seleção, com o técnico. Aí voltei para São Paulo e o pessoal do time que eu jogava tirou essa ideia da cabeça. Eu era menina e com a idade você vai ganhando maturidade e passa a entender melhor as decepções. Mas eu tive uma vida boa, não foi simples nem fácil, mas foi boa.
 
 
BN - Durante sua carreira você passou por quatro intervenções cirúrgicas. Como conseguiu superar as lesões? Chegou a pensar em abandonar o esporte por isso?
Ana Moser - Não cheguei a pensar em abandonar o esporte. Eu tive medo de não conseguir me recuperar. Não da cirurgia em si, mas de não conseguir recuperar a boa forma, voltar ao mesmo nível. Isso eu tive medo, mas um medo que não paralisa e sim que te faz criar mais responsabilidade.
 
BN - Você era considerada baixa para os padrões das jogadoras de vôlei da década de 90. Como conseguiu superar isso? Foi através da sua força física?
Ana Moser - Quando eu comecei, na verdade, eu não era considerada baixa. Sempre fazia fila para entrar na quadra para o jogo e era por ordem de altura, eu comecei no início da fila e fui parar no meio para o final. Eu comecei sendo a segunda, terceira mais alta, aí depois fiquei para trás. Mas as ponteiras do Brasil ainda são mais ou menos da minha altura, apesar de ter algumas mais altas. Só que eu saltava muito, batia alto, então dependia muito da minha força física. Ainda mais para jogar lá fora, porque para jogar em nível internacional, contra Cuba, Estados Unidos, Rússia, tem que ter recursos porque eram bloqueios super altos. 
 
BN - Quais são suas expectativas para a atual Seleção Brasileira feminina de vôlei? Acredita que as meninas conseguirão defender a medalha de ouro conquistada na Olimpíada de 2008?
Ana Moser - O Brasil tem uma questão ainda de levantadora. Ainda tem que amadurecer nessa posição. Ficamos mal acostumados durante uma década e meia quando tínhamos a Fernanda (Venturini) e a Fofão, o que levantou o padrão lá para cima. Então, vai ser difícil recuperar e ter outra levantadora do nível delas. Mas é uma questão que todo o resto do time tem que estar bem para superar. Isso torna o Brasil mais propenso a perder jogos. E têm grandes equipes no vôlei mundial, como Estados Unidos, Rússia, Itália, China, então tem que fazer uma boa preparação para esses 15 dias. Eu não sei se ganha, mas com certeza estará nas cabeças, disputando medalha. Nem todo dia é possível ganhar, mas é importante estar sempre no topo e essa é a realidade do vôlei brasileiro, tanto no feminino, quanto no masculino. 
 
BN - Quem você considera a melhor jogadora do Brasil na atualidade?
Ana Moser - Nem sei te dizer. Mas acho que a Sheilla é o grande destaque, bota muita bola ao chão, bloqueia muito bem. Não tem só uma não, mas eu acho que é a mais regular, que tem mantido um nível mais alto durante muito tempo. 
 
BN - O que você acha que acontece com o vôlei brasileiro que, apesar de ser tão vitorioso e ter um dos campeonatos mais conceituados, que é a Super Liga, não desperta uma paixão tão grande no povo brasileiro como o futebol, por exemplo?
Ana Moser - A seleção de vôlei tem muito resultado, mas se for analisar, são poucos times. Tem time de vôlei aqui na Bahia? E quantos times de futebol têm aqui? Há quanto tempo? As pessoas crescem vendo as equipes de futebol, e no vôlei não tem essa cultura. Na verdade, a Super Liga é forte, mas são 12 times femininos, 12 masculinos, não se vê muita coisa além disso. A diferença do futebol para qualquer outro esporte é que o futebol está na cultura das pessoas. Não tem um pai que não bate uma bola com o filho. É difícil que um homem em algum momento não tenha participado de uma pelada com os amigos, por exemplo. Os outros esportes só terão a mesma popularidade do futebol quando eles fizerem parte da cultura brasileira. 
 
 
 
BN - Você foi treinada por Bernardinho, em 1993 e, como auxiliar técnica, trabalhou ao lado de José Roberto Guimarães, em 2003. Quais são as principais diferenças entre os dois treinadores?
Ana Moser - São dois grandes técnicos, né? Muito parecidos em algumas coisas, muito diferentes em outras. São estilos diferentes, um vai sempre no máximo, que é o Bernardinho. O Zé Roberto é mais humano talvez, é menos “máquina”, mas também é exigente da maneira dela. São dois grandes técnicos que conseguem tirar sempre o máximo das equipes que treinam. O Zé Roberto foi o único técnico a ser campeão com a seleção masculina e feminina. A gente tem sorte de ter dois treinadores tão bons e experientes treinando as seleções brasileiras. Eles são tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo e isso é bom. 
 
BN - Em 2009 seu nome entrou no seleto grupo do Hall da Fama do Vôlei, sendo a quarta personalidade brasileira a conquistar esse título.  Qual foi a emoção de receber esse título? Sentiu que seu trabalho foi reconhecido?
Ana Moser - Foi em uma época que eu já estava desligada do vôlei, então mudou muito pouco na minha rotina diretamente. Mas quando eu fui lá e vi o museu, e também a placa que está lá em casa, dá muito orgulho. Orgulho por ter chegar ali, por ter dado certo, por ter tido resultado. Fica na história, né? É a mesma coisa de perguntar se uma medalha de ouro fez falta. Se eu tivesse ganhado, estaria registrado, assim como aconteceu com o Hall da Fama. Mas na prática, o que vale é o que se viveu. 
 
BN - Você tem algum grande ídolo no esporte? Qual?
Ana Moser - Tenho vários. O mais recente agora é o Kelly Slater, do surf. Dez vezes campeão mundial e deve ser a 11ª vez agora nesta temporada. Mas têm vários. Eu vejo exemplos nas atitudes de vários atletas. Eu, na minha vida, me inspirei em vários. Eu sou da época do Zico, da Isabel. Você acaba se inspirando nas atitudes das pessoas. 
 
BN - Você chegou a ser comentarista esportiva na Tv Bandeirantes e na ESPN Brasil. Gostou da experiência? Entraria nessa área novamente?
Ana Moser - Volta e meia estou fazendo esse trabalho. Trabalhinho fácil, né? (risos). Você entende, você vê a coisa, é muito prazeroso. Você faz o comentário, acaba acertando, é muito legal. Eu gosto de fazer isso. 

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